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Carta aberta da Aspac sobre o GT-Seac


ASPAC - CARTA ABERTA GT-SEAC
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A Aspac (Associação dos Servidores Públicos da Ancine) vem a público manifestar sua preocupação com a Minuta de Relatório do GT-SeAC (Grupo de Trabalho sobre Serviços de Acesso Condicionado), atualmente em consulta pública, que deve originar em breve projetos de lei com impactos radicais nas políticas audiovisuais brasileiras.


O GT-SeAC é um grupo de trabalho composto por membros do Ministério da Economia, Ministério das Comunicações e Anatel, instituído pela Portaria 1.277, de 9/11/2020, com a finalidade de elaborar propostas para atualização do marco jurídico referente aos Serviços de Acesso Condicionado (ou seja, seria uma revisão da Lei 12.485/2011, que regulou o mercado de TV por assinatura e, dentre outras coisas, criou cotas de conteúdo nacional). Segundo declarações do próprio Ministro das Comunicações, a revisão desta Lei é “uma das prioridades do governo, depois do leilão do 5G, e o presidente Jair Bolsonaro possui interesse direto no assunto”.


É importante lembrar que a Lei 12.485 teve um efeito muito mais amplo do que uma simples regulação ou estímulo – ela efetivamente criou todo um novo mercado de TV paga no Brasil para os produtores independentes. O audiovisual tornou-se o setor mais estruturado da economia criativa. Segundo diversos estudos, adquiriu porte comparável às indústrias farmacêuticas e têxtil no país: corresponde a 1,67% do PIB brasileiro, adiciona mais de 20 bilhões de reais por ano à economia nacional e gera mais de 300 mil empregos diretos e indiretos.


Dito isso, os problemas do referido Grupo de Trabalho começam já desde sua criação, uma vez que seu foco, a regulação do setor audiovisual de acesso condicionado (TV por assinatura), é hoje em grande parte de competência legal da Ancine, mas a agência não foi oficialmente incluída nos debates acerca de seu próprio futuro institucional e das políticas audiovisuais. Esta incoerência fez com que, ainda em novembro de 2020, parlamentares da Câmara Federal protocolassem um Requerimento de Informação questionando o Ministro das Comunicações acerca da não inclusão da Ancine e da Secretaria de Cultura no GT, e se o GT pretendia debater a fusão entre Ancine e Anatel. A resposta do Ministério das Comunicações foi que “o Grupo de Trabalho não discutirá a fusão da Anatel e Ancine”, mas “seria possível abordar o tema de maneira preliminar”.


Eis que, em 11 de agosto de 2021, foi publicada a Minuta de Relatório para Discussão com a Sociedade, colocada em consulta pública com prazo até 24/08/2021 (depois prorrogado até 12/09/2021), que deve embasar o(s) projeto(s) de lei a ser enviado ao Congresso. Ocorre que, ao contrário do que o Ministério das Comunicações havia respondido oficialmente aos parlamentares, no subtema “Órgão Regulador” (p. 167) o relatório propõe, nas alternativas B e C, a fusão parcial entre Ancine e Anatel, com transferência de grande parte das atuais competências regulatórias da Ancine (e consequentemente de sua estrutura e servidores) à Anatel, restando uma Ancine esvaziada e precarizada, com pouco poder para efetivar as políticas públicas audiovisuais. Estas propostas revelam um vício formal na instituição do GT pela falta de participação oficial da Ancine num debate que legalmente lhe diz respeito, e pela contradição entre as propostas do Relatório e o que o Ministério das Comunicações havia respondido oficialmente ao Congresso Nacional. Mas esta é apenas uma entre diversas propostas do Relatório que apontam para um desmonte das políticas audiovisuais nacionais e uma crescente desregulamentação do setor. Obviamente as políticas públicas podem e devem ser sempre aperfeiçoadas, mas eventuais problemas não devem ser motivo para sua simples destruição.


Cabe destacar também a fragilidade técnica do relatório, que apresenta fundamentações frágeis ou inexistentes em seus diagnósticos e propostas. Por exemplo, no tema “Cotas e Produção Independente” (p. 192) o documento traz a seguinte “análise técnica” (destaques nossos): “Há a percepção em certos segmentos do setor de que as plataformas de serviços OTT oferecem grande quantidade de conteúdo nacional, acima do mínimo exigido pelas cotas, o que reduziria as justificativas para a manutenção das cotas no formato atual” (p. 195). Daí vem a proposta: “Com o fim esperado para a política (estimado em setembro de 2023), entende-se que o instrumento de cotas de programação cumpriu sua função e não é mais necessário” (p.196).


Ora, “há a percepção” em que segmentos do setor exatamente? “Percepção” baseada em quais dados, quais análises, quais estudos, quais fontes, qual bibliografia? Foi realizada a Análise de Impacto Regulatório, que é uma exigência da Lei 13.848? Assim, com base numa simples “percepção” abstrata, sem nenhuma análise técnica de impacto, é sugerido enterrar uma política pública que foi em grande parte responsável pelo crescimento do setor audiovisual brasileiro na última década, por sua crescente participação na economia e na geração de empregos no país. Simplificações grosseiras como essa, sem fundamentação técnica, se repetem por todo o documento.


É interessante ainda que, num contexto internacional em que cada vez mais países aumentam a regulação sobre serviços de vídeo sob demanda (streaming), com diversas formas de estímulos às produções audiovisuais locais, o relatório de 196 páginas praticamente ignore o tema, se limitando a dizer que a política de cotas teria “perdido a relevância” para este mercado.


É importante que os diretores da Ancine expliquem publicamente qual foi a participação da agência neste GT e na elaboração do Relatório, pois apesar de não estar incluída oficialmente, consta em diversas fontes que membros da Ancine participaram das reuniões, como se pode ver inclusive no vídeo da reunião inaugural do GT, em que um diretor da agência defende contraditoriamente que, pelo êxito da política de cotas, ela não seria mais necessária. Até mesmo na apresentação do Relatório (p. 9) é feito um “agradecimento especial à colaboração da Ancine”, o que é de se estranhar, já que o papel institucional da agência deveria ser o de defender suas competências legais e suas respectivas políticas públicas. Assim, seria interessante ainda que a Ancine divulgasse as análises técnicas e/ou jurídicas que embasaram sua colaboração ao GT.


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