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Colega Servidor Público, você faz uso da sua Estabilidade?


Rafael Muller (ANTT/ES) @rafaelmuller776


Hoje o tema é assédio institucional em suas formas sutis. Como todo tipo de violência e estrutura hierárquica, não há saída individual para o problema. Só é possível enfrentá-lo coletivamente. Passemos à fabulação.


Você, assessor jurídico, é solicitado que estude determinado tema para subsidiar a decisão das instâncias superiores. Digamos, por exemplo, se é plausível dar mais liberdade e discricionariedade para as empresas agirem num determinado mercado. Estudado o tema por seus mais diversos vieses (arcabouço jurídico, questões regulatórias, repercussões econômicas e sociais, etc.), o parecer emitido vem a ser pelo "não". Ainda que haja brechas genéricas (a pavorosa Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, por exemplo), a análise de impacto indica que os efeitos serão o enriquecimento ilícito, apropriação de ainda maiores quantias de lucro por oligopolistas, desatendimento de parcela mais vulnerável da população, dentre outras externalidades negativas.


Contrariamente ao parecer, entretanto, as chefias desejam o contrário. Mas, em não assumindo a responsabilidade de agir contrariamente a parecer fundamentado, marcam uma reunião de 'ponto de controle' daí a algum tempo. Na reunião...


-- "Você avançou nos seus estudos sobre o tema?"

-- "Não, assunto já foi esgotado, o parecer está pronto. Aguardando que se abra processo no SEI sobre o tema para que seja inserido e assinado."

-- "Já que não houve avanço, vamos marcar um próximo ponto de controle para analisarmos o andamento da demanda. Quando avançarmos mais no assunto, daí iniciamos o processo no SEI."


Semana seguinte...


-- "Você avançou nos seus estudos sobre o tema?"

-- "Não, assunto já foi esgotado, [...]


Semana seguinte...


Semana seguinte...


Um funcionário público que, semana após semana, não avança em seus estudos para responder a uma demanda da chefia. Prevaricação e processo administrativo disciplinar, certo?


No processo de defesa, qualquer prova demonstrando o assédio institucional será considerada inválida por não ser relativa ao escopo do processo. Afinal, o recorte estudado é a conduta, única e exclusivamente, do servidor. Se há denúncia de assédio, deve ser averiguada em outro processo, com outro réu, em outra instância.


Eis a hierarquia arquitetada ao que chamamos de assédio institucional. O assédio terá suas particularidades de caso a caso, mas a perversidade e o uso dos 'espaços formais pré-determinados para questionamento' serão elementos bastante recorrentes em todos eles.


E como lutar contra isso? Individualmente, impossível. Como vimos, a própria condução dos processos individuais de averiguação está arquitetada para a legitimação imprópria do assédio. A luta há de ser coletiva e ela perpassa o posicionamento claro e ativista da classe. Do contrário...


Mais uma fábula.


Não resolvida a questão com o servidor que esgotou os seus estudos e não mais avançou (e nem permitiu avançar) a liberalização irrestrita às empresas desejosas por lucros gordos, optou-se pelos métodos mais atuais de gestão de conflitos e deliberação coletiva.


Numa sala, ajuntaram-se 19 pessoas, dentre elas o servidor, mas não a chefia desejosa. Esta foi retirada para que se mantivesse a 'imparcialidade' e porque, enquanto chefia, está muito atarefada dando andamento a problemas urgentes para a economia nacional. Sem qualquer material de apoio prévio, sem estudo do tema pelos participantes, com tempo limite e exíguo para a proposição de uma solução determinada, as pessoas são chamadas a votar.


Como votam?


A primeira opção é acompanhar o colega servidor. Mas isso significa: a) trabalho de estudar toda a sequência de argumentos jurídicos, regulatórios, sociológicos e linguísticos, muitas vezes desconhecidos e não apreendidos na primeira vez que se ouve falar desses argumentos; b) trabalho mental de tentar esmiuçar uma realidade complexa, que simplesmente não pode e não há como ser simplificada e generalizada sem perder a essência (p.ex.: falar do povo brasileiro em um país como o Brasil explicando que temos diferenças regionais, que o sudeste e o nordeste e os seus respectivos residentes, são diferentes sob diversos aspectos a serem levados em conta, etc.); c) trabalho de posicionar-se em relação aos princípios a serem privilegiados: razoabilidade e proporcionalidade sobre a simplicidade e a eficiência; d) correr o risco de se ver identificado também como um sujeito-servidor quase folclórico, revoltado, desordeiro e bizarro das ideias.


A outra opção é acompanhar os desejos da chefia: a) acatar o argumento de autoridade, que, por ser autoridade, já é pressuposto verdadeiro e correto de modo absoluto (chefia que não está de corpo na reunião, mas que dos bastidores já se sabe de antemão do seu desejo); b) aproveitar a oportunidade individual de um reconhecimentozinho no trabalho, vez que fez, tempestivamente, aquilo que a chefia queria; c) de quebra, atender ao magnifiquíssimo e soberano princípio da eficiência, que preza que alguma resposta prática seja dada o mais rápido possível sempre, independentemente de qual seja?


Colegas, tenhamos a coragem de pedir um tempo para estudar mais. Só quem não se submete ao tribunal da razão é Deus. Temos uma estrutura hierárquica, mas isso não faz das chefias Deuses. Não há vergonha em, mesmo sendo um especialista, dizer "não sei, mas vou procurar saber". Ou "até entendo do assunto e sempre pensei de determinada forma, mas surgiram alguns elementos novos que até então não tinha ouvido falar, que inclusive não entendi muito bem, mas que prefiro saber deles antes para repensar antes de reafirmar -ou não- o que eu dizia antes". Estudemos. Quem se abstém faz o jogo do opressor e colabora com a violência sistemática.


Votação majoritária em que as pessoas votam sem sequer saber do que está em jogo é como dois lobos e uma ovelha votando quem será a janta. E convenhamos que nós agora já sabemos bem aonde pode nos levar uma votação majoritária em um país que as pessoas votam sem saber o que está em jogo.


Estamos desmotivados e cansados, sim, mas muito porque a luta diária tem sido solitária. Então como você está encarando as reuniões de que tem participado? Como você tem feito o seu trabalho? O que você tem feito, coletivamente, para fazer uso da sua estabilidade?


Coletivo Protagonismo Sindical no Instagram: @ps.coletivo

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