Qual é o funcionalismo público que precisamos ter?
Marina Rodrigues – ANTT/SP

Sou uma jovem adulta, nascida em 1990: o mesmo ano em que foi publicada a Lei nº 8.112, o tão conhecido e vilipendiado Regime Jurídico dos Servidores Públicos Federais. Meu primeiro emprego foi num órgão público, onde entrei com apenas 18 anos. Hoje, aos 32, tendo trabalhado alguns deles com gestão de pessoas, tenho algumas palavras a dizer sobre a gestão de pessoas do funcionalismo, cuja colocação em segundo plano só ameaça a massa de servidores.
É lugar-comum no serviço público que ninguém quer trabalhar na gestão de pessoas, e que este é sempre o setor mais odiado de qualquer órgão. Fica a impressão de que quem está lá sempre trabalha contra os servidores. Não posso concordar com estas suposições. Há muita gente competente nos setores de gestão de pessoas dos órgãos, que gosta do que faz e tenta dar o seu melhor. Assim como há muita gente insatisfeita com os rumos que a gestão de pessoas tomou, em especial nos últimos dois governos de direita.
A falácia de que a máquina pública está inchada e que é preciso cortar gastos com pessoal estrangula especialmente as áreas de gestão de pessoas, que sofrem com recorrentes “reestruturações”, que ao invés de organizar a casa, só a tornam mais difícil de gerir. A falta de concursos públicos só demonstra o desprezo com que os servidores são tratados e a falta de vontade política em moralizar o Estado, deixando-o de joelhos a interesses pouco republicanos.
Uma das formas encontradas para aparentemente "moralizar" o funcionalismo é a regulamentação da demissão por insuficiência de desempenho, um tema controverso na discussão política. Qual seria o desempenho considerado suficiente? Quais as bases de mensuração desse desempenho? Qual o nível de subjetividade na avaliação? Esse é um instrumento efetivo de moralização do serviço público ou apenas mais uma forma, entre tantas usadas, de perseguir e assediar o funcionalismo que realmente trabalha de forma impecável, muitas vezes contrariando os interesses do governo de plantão?
É sabido que ainda não temos um modo efetivo de neutralizar as “maçãs podres” que se perpetuam no serviço público, muitas vezes com o beneplácito de gestores mal-intencionados. Combater o mau servidor não parece ser uma prioridade do Estado. Pior, coloca-se o mau servidor como generalização de todo um funcionalismo, para legitimar perseguições de servidores contrários ao desmonte das políticas públicas, ou expedientes como a terceirização irrestrita.
Antes de falar sobre os males da terceirização no serviço público, preciso fazer uma ressalva: nada tenho contra aqueles que exercem atividades como terceirizados nos órgãos públicos; respeito o seu profissionalismo, e entendo que muitos deles entregam por vezes um serviço de qualidade que um servidor de carreira não faria.
Porém, o Executivo federal, privado de quaisquer privilégios fartamente conhecidos em outros Poderes e Unidades da Federação e sujeito a todo tipo de loucura do governo de plantão, agora inventou de fazer uma intenção de registro de preços para contratar serviços de apoio; esse é o último golpe deste não-governo contra os servidores da chamada área-meio, pois busca terceirizar atividades até então privativas de servidores.
A IRP nº 14/2022 (acessível aqui) prevê a "contratação de serviços especializados nas áreas administrativa, contábil, estatística e jurídica, para os órgãos e entidades da Administração Pública Federal - APF direta, autárquica e fundacional". Ou seja, quase tudo que os servidores de carreira da área-meio fazem, a um preço que facilmente pagaria um servidor de carreira, porém contratando profissionais que recebem salários ligeiramente menores e têm menos direitos e prerrogativas.
É comum ver terceirizados sendo usados como "moeda de troca" em alguns órgãos: se o servidor não quer fazer um serviço imoral passado pela chefia, esta chama o terceirizado que não negará o serviço sob pena de ser demitido. Imagine então se esse profissional apoiasse a contabilidade do órgão, ou a folha de pagamento… A que tipo de pressão começariam a estar sujeitos os servidores dessas áreas?
A famigerada "reforma administrativa", defendida até mesmo pelo sindicato que deveria nos defender em primeiro lugar, previa ampliar o instituto das contratações temporárias, sem concurso público, descaracterizando assim a impessoalidade e a moralidade do funcionalismo e trazendo consequências deletérias para o clima organizacional e para a adequada prestação de serviços à população. Além disso, ela previa aumentar o preconceito contra a área-meio, colocando seus servidores como sendo de "segunda categoria", sujeitos a toda sorte de ataques e pressões.
E como um verdadeiro sindicato poderia atuar para evitar esses ataques e fazer nossa carreira valorizada de verdade? Primeiramente, devemos falar da equiparação de vencimentos entre os cargos da regulação, pauta negligenciada em torno de uma cosmética "carreira única" que talvez nunca veja a luz. O combate às formas ilegais de terceirização, que em algumas agências beira o absurdo, também deve ser colocado na pauta, assim como a organização de concursos que prevejam a substituição desses postos de trabalho.
Posicionar-se contra "reformas administrativas" que só querem tirar os poucos direitos que temos ao invés de fazer uma profunda reestruturação da coisa pública não deveria nem ser citada aqui, por ser uma questão moral de qualquer sindicato mas, considerando o atual cenário de inércia sindical, precisa ser falado.
As bases, com seu poder de mobilização que independe de qualquer ação sindical, podem e devem entender melhor sobre todos esses tópicos que acabei de falar, para assim sentirem-se confiantes de unir forças para derrotar uma a uma todas as tentativas de enfraquecimento do funcionalismo.