REPÚDIO A “QUEIMA DE LIVROS” NO GOVERNO BOLSONARISTA
Por Centro Cultural Rosa Luxemburgo e Biblioteca Comunitária Rosa Luxemburgo

Na noite de 10 de maio de 1933, uma multidão de aproximadamente 40.000 pessoas se reuniu na Operenplatz – agora na Bebelplatz – no distrito de Mitte, em Berlim. Em meio a muitos cantos alegres, bandas e cânticos de juramentos e encantamentos, eles assistiram soldados e policiais da SS, membros castigados da paramilitar SA, e jovens apaixonados da Associação de Estudantes Alemães e do Movimento da Juventude Hitlerista queimarem, a mando de propaganda do ministro Joseph Goebbels, mais de 25.000 livros decretados como “não-alemães”. O clímax de uma campanha nacional de um mês de duração, a mais conhecida fogueira literária, foi concebida como um expurgo e uma purificação do verdadeiro espírito alemão, supostamente enfraquecido e corrompido por ideias e intelectuais não alemães.
Ao longo da história, a maioria das queimas de livros oficiais tem sido sobre “controle”, para anunciar “o que um regime representa”. Como as cerimônias anteriores, as queimadas nazistas desde então se tornaram “referência cultural”, uma analogia popular e um insulto comum, essencialmente, sobre “anunciar o que seria aceitável no futuro; moldar a nova esfera pública.
A Inquisição Espanhola queimou 5.000 manuscritos árabes em Granada em 1499, e conquistadores espanhóis queimaram todos os textos sagrados dos maias em 1562. A tradução de Lutero da Bíblia pegou fogo em partes católicas da Alemanha na década de 1640, e na década de 1730 o Arcebispo de Salzburgo supervisionou a queima de todos os livros e bíblias protestantes que pudessem ser encontrados. Várias bibliotecas americanas queimaram as obras de autores supostamente pró-comunistas durante a era McCarthy.
Mais recentemente, os judeus ortodoxos em Jerusalém queimaram cópias do Novo Testamento em 1984; Os Versos Satânicos de Salman Rushdie foram cerimonialmente queimados em Bolton e Bradford em 1988; os livros de Harry Potter foram queimados nos EUA em várias ocasiões desde sua primeira publicação; e em Roma, eles queimaram o Código Da Vinci. Além de títulos individuais, bibliotecas inteiras foram arrasadas, algumas vezes: Alexandria no Egito (por muita gente); Washington (pelos britânicos); Louvain (pelos alemães); Sarajevo e, mais recentemente, Bagdá.
Por que queimar, porém, ao invés de algum outro tipo de destruição? A queima de livros, pode ser considerada, antes de mais nada, uma “manifestação monumental de intolerância. É a fusão do que deve ser nuançado em um único ato cheio de ódio”.
Enquanto os incêndios de livros de 1933 foram liderados de forma independente por estudantes fascistas, pressagiando a “violência em massa, real e simbólica” que estava começando a tomar a Alemanha, eles foram ativamente encorajados pela liderança nazista em uma tentativa de ” Espírito alemão".
Na história recente do Brasil, a ditadura de Vargas incinerou em praça pública livros de Jorge Amado e de José Lins do Rego, em novembro de 1937, em Salvador e em 1939 mandou queimar todas as obras da escritora Raquel de Queiroz.
Durante a ditadura militar diversas obras dentre livros, letras e peças eram submetidos à censura e proibidos. A repressão a obras consideradas subversivas entre abril de 1964 e março de 1979, durante a Ditadura Militar, revelam que as buscas e apreensão da época cumpridos pela polícia política e o Exército para confiscar livros, durante este período, atingiu seus maiores picos. Foram 323 autos de busca e apreensão com livros confiscados, em 145 processos, representando 20% da totalidade das ações. Disso foi feita uma lista inédita com as 1.397 obras apreendidas, de 731 diferentes autores. A maioria de literatura de cunho marxista, política e, portanto, considerada subversiva. Ainda mais, dentre os vários casos de apreensão de livros, ocorridos desde o início do regime militar, destaque para a queima de livros por bombeiros do Distrito Federal. A repressão aos livros em Brasília foi intensa e constante, chegando a torturar fisicamente um editor local.
A redemocratização do Brasil em 1985 e a Constituição Federal de 1988 deveriam colocar fim de uma vez por todas a esse período tenebroso. Entretanto, o cheiro das cinzas, oriundo das grandes fogueiras ditatoriais contra a cultura e pensamento crítico ressurgem nos anos presentes, quando a democracia deveria já ser consolidada e defendida.
E como o governo Bolsonaro não conseguiu ainda declarar abertamente a proibição do pensamento e da propagação de conhecimento, utiliza seus capatazes para realizarem “a grande queima dos livros” em locais pontuais e estratégicos, exemplificado em episódios tais quais:
• Em 2020, o governador bolsonarista de Rondônia, Marcos Rocha, proibiu nas escolas públicas do Estado cerca de 43 livros tradicionalmente usados em sala de aula e muitos dos quais cobrados em vestibulares das faculdades mais disputadas no país, com a “ justificação” de que as publicações continham conteúdos inadequados às crianças e adolescentes.
• A Fundação Palmares, desde que Bolsonaro assumiu a presidência, tem sido um de seus alvos. Para legitimar seus atos contra o povo negro e a história nomeou Sérgio Camargo como presidente da Fundação, e este por sua vez não mediu esforços para minimizar a gravidade dos efeitos catastróficos da escravidão e decidiu retirar do acervo mais de 5.100
obras, que segundo ele se tratam de apologia ao banditismo e de conotação sexual, além de marxistas que nada têm a ver com a temática do povo negro.
• A Biblioteca Nacional condecorou, nesta última sexta-feira, 01/07, com a Medalha da Ordem do Mérito do Livro, tradicionalmente dada pela instituição a pessoas que contribuíram com a literatura, figuras de proa do bolsonarismo, tais como o deputado federal Daniel Silveira ( que foi condenado pelo STF a 8 anos e 9 meses de prisão por ataques aos ministros da corte), o deputado federal Hélio Lopes (que se orgulha de ser chamado de Hélio Bolsonaro pelo presidente da República e pelos eleitores), o delegado da PF Alexandre Ramagem (ex diretor-geral da Abin, homem de confiança do presidente e de seus filhos e que foi impedido de assumir a chefia da PF pelo STF), e, por fim, o guru da extrema-direita, Olavo de Carvalho, “ homenageado” in memorian”.
Em reação a esta “ homenagem”, escritores, poetas e outros acadêmicos anunciaram sua recusa à condecoração, protestando por compartilhar a Comenda com representantes do pensamento de extrema-direita, com afirmações como “Se eu aceitasse a medalha seria referendar Bolsonaro, que disse preferir um clube ou estande de tiro a uma biblioteca”, e “Se constituirá na celebração de uma única diretriz política, agraciando pessoas sem relação com livros, biblioteca e cultura”.
Quem ainda duvidava de que o governo protofascista de Bolsonaro, como não conseguiu a queima física dos Livros, que significa um símbolo de horror e evoca um passado de trevas, a exaltação de uma linguagem do ódio, redundante e perigosa, propaga, por atos e gestos a intolerância, o ódio a tudo que cheire a diversidade e civilização, deve se unir nesta grande luta que é a defesa intransigente do regime democrático, das liberdades, dos direitos sociais, do acesso a Cultura e ao conhecimento, denunciando e não se calando diante da propagação da Barbárie e da afronta à Cultura.
Ananindeua, 02 de julho de 2022
A QUEIMA DE LIVROS
Quando o regime ordenou que fossem queimados publicamente
Os livros que continham saber pernicioso, e em toda parte fizeram bois arrastarem carros de livros
Para as pilhas em fogo, um poeta perseguido
Um dos melhores, estudando a lista dos livros queimados descobriu, horrorizado, que os seus haviam sido esquecidos.
A cólera o fez correr célere até sua mesa, e escrever uma carta aos donos do poder.
Queimem-me! Escreveu com pena veloz. Queimem-me!
Não me façam uma coisa dessas! Não me deixem de lado! Eu não relatei sempre a verdade em meus livros? E agora tratam-me como um mentiroso! Eu lhes ordeno:
Queimem-me!
Bertolt Brecht