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Sou Regulador

Rafael Muller - ANTT/ES


Há algo de bastante interessante na estrutura da frase “eu sou...”. Ela revela, em última instância, um ideal de mundo coletivo. Cada vez proferida, ela fala de um sujeito que se identifica com determinado conjunto de valores, que possui uma particular visão de mundo ideal. No grupo e na repetição do predicado (p. ex.: eu sou...regulador), vai-se conformando o que é ser regulador a partir de uma multidão de particulares.


No mundo do trabalho tal qual nos foi imposto, nem sempre calhamos de pousar em nosso ofício de alma. Por vezes algo próximo do desejado; por vezes algo pelo que nos apaixonaremos apenas no decurso da prática cotidiana. Ainda assim, sob arestas mal aparadas, somos encaixotados na frase: “eu sou regulador”.


Mas o que significa ser regulador?


Em que pese nossas atribuições positivadas, suas leis e normativos, SER é algo maior e não está dado. A cada colega submetido à frase “sou regulador”, temos mais um sujeito com sua particular visão de mundo ideal que passa a tensionar o que é ser um regulador.

Que é, então, que nos une enquanto reguladores? Se somos tão diferentes; se pensamos tão diferentemente; quem há de conhecer o íntimo de cada um de nós e a todos nós para derivar uma equação que nos diga o que somos?


Naturalmente, esse método de resolução para desmistificar o que é ser regulador é improfícuo. Por mais que os legisladores (através de suas leis, normativos e atribuições positivadas) desejem fazer esse papel de entidade superior capaz de dizer quem somos (ou quem devemos ser), é pelo método em si mesmo que falham vergonhosamente.

SER regulador não está escrito em lugar algum e não pode estar. Como toda profissão investida numa estrutura de comando e controle, está sujeita a um paradoxo essencial: a de reproduzir e criticar a própria estrutura de comando e controle. É aí que nos parece estar as arestas mal aparadas quando do nosso encaixotamento e o desajuste incômodo que o mundo do trabalho, em maior ou menor grau, nos causa.


O ofício de regular envolve promover harmonia à convivência humana. Trata-se de um objetivo. Mas como fazê-lo em um contexto em que as vontades particulares e os interesses individualistas são superestimados em detrimento da vida coletiva? Quando o mal e o bem entram em confronto, devemos harmonizar, equilibrar e fazer coexistirem aos dois, agindo imparcialmente, ou devemos promover o bem, tomando-lhe parcialmente a defesa?

O ofício de regular envolve valer-se de nossos instrumentos (regulamentos, normativos, poder de polícia administrativa). Trata-se de um método.


Ocorre que, num grande teatro de culto desarrazoado à racionalidade, os teatrólogos nos convenceram da superioridade da objetividade à subjetividade, impuseram-nos metas quantitativas de usos dos instrumentos à frente dos nossos objetivos, razão-de-ser de nosso trabalho.


Curiosamente, envenenaram até nosso vocabulário. Chamaram “objetivo” e “razão-de-ser” o leitmotiv de nossa existência: o bem; a harmonia na convivência humana; tudo aquilo que há de mais desarrazoado e só pode ser sentido, nunca nomeado, por cada sujeito no âmago de seu sentimento quando do [trabalho] bem realizado.


Como não podemos investigar o íntimo de cada um de nós, podemos inferir apenas o que temos de comum em nosso contexto. Apenas podemos afirmar – sobre o que nos une – o paradoxo, não a forma de lidar com ele, ou como a nossa personalidade se encaminha para tentar solucioná-lo.


Temos instrumentos, temos método, temos metas, temos hierarquia. Tudo isso que nos foi dado [ou imposto]. Somos todos reprodutores dessa estrutura. Mas mais que isso: críticos dessa mesma estrutura, temos – por essência, por imperativo categórico – uma decisão a ser tomada [algo que trazemos de nós, humanos-sujeitos desarrazoados]: fazer coexistir o bem e o mal; ou defender ao primeiro?

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